Viagem de Moto de Melo a Treinta y Tres: Mirante do Cerro Largo, Patrimônio Geológico e Paisagístico do Uruguai

Começamos a segunda-feira saboreando um mate amargo na histórica Plaza Constitución, no coração de Melo, capital do departamento de Cerro Largo, no Uruguai. Em seguida, exploramos o amplo Parque Zorrilla de San Martín, às margens do Arroyo del Sauce, onde se destaca a famosa escultura La Fuente de los Sapos. Depois de nos despedirmos de Melo, seguimos viagem de moto pela Ruta 8 sob uma neblina inesperada, que nos impediu de observar com clareza a formação natural Cerro Largo, responsável pelo nome do departamento. Já em território de Treinta y Tres, vivemos momentos de tensão ao quase enfrentarmos uma pane seca, mas conseguimos alcançar o posto de combustíveis nos últimos suspiros da Formosa. Foi um dia marcado por imprevistos, descobertas e pela hospitalidade que representa tão bem o espírito do interior uruguaio.

Buen Día, Melo! Despertamos nas primeiras horas da segunda-feira após uma noite tranquila de descanso na capital departamental. Preparamos um chimarrão especial, separamos algumas frutas e seguimos caminhando até a Plaza Constitución, no coração da cidade.

Ali, entre os muitos bancos disponíveis, escolhemos um para desfrutar calmamente nosso café da manhã, bananas e mandarinas, enquanto as ruas da capital do departamento uruguaio de Cerro Largo começavam a ganhar vida. Aproveitamos o momento para observar o movimento da população local e sentir o clima pacato que caracteriza Melo.

A Plaza Constitución é um ponto histórico central: palco da vida urbana e social da cidade. Sua paisagem arborizada, com bancos, caminhos e atmosfera tranquila, nos acolheu de forma silenciosa e inspiradora. Sentimos ali a essência de uma cidade de interior, onde o tempo parece correr em ritmo próprio.

Fundada em 27 de junho de 1795, Melo nasceu por ordem do capitão espanhol Agustín de la Rosa, a mando do vice-reinado, e recebeu esse nome em homenagem ao então vice-rei Pedro Melo de Portugal. Desde seus primeiros anos, a cidade teve papel estratégico: servia como vila de guarda fronteiriça para controlar o avanço português, o contrabando e a extração irregular de gado. Com o tempo, transformou-se em centro comercial e de serviços da região, função que mantém até hoje.

A arquitetura colonial preservada e o traçado urbano tradicional das ruas centrais reforçam esse charme histórico que nos conquistou já na chegada. A combinação de história, simplicidade e acolhimento faz de Melo um destino especial para quem viaja em busca de contato direto com a cultura local.

Depois do nosso mate matinal, retornamos à hospedagem para organizar os equipamentos, preparamos a Formosa e deixamos o centro de Melo. Em poucos quilômetros, alcançamos o Parque Zorrilla de San Martín, às margens do sereno Arroyo Conventos (também conhecido como Arroyo del Sauce).

O Parque Zorrilla de San Martín, na cidade de Melo, é amplo, arborizado, bem cuidado e oferece bancos, decks, áreas sombreadas e espaços ideais para descanso. Caminhamos por suas alamedas observando detalhes que o elevam de simples área de lazer a verdadeiro recanto histórico.

Entre esses detalhes, destaca-se a Fonte dos Sapos (La Fuente de los Sapos), escultura em pedra calcária criada em 1895 por Manuel Brigante em homenagem ao centenário da fundação de Melo. O monumento é tão simbólico para a cidade que a célebre escritora e poetisa uruguaia Juana de Ibarbourou, nascida em Melo, dedicou a ele o conto “La Fuente de los Sapos”, presente no livro “Chico Carlo”.

O parque abriga ainda o Teatro Municipal de Verano, um espaço cultural a céu aberto com capacidade para cerca de 3.000 pessoas, onde ocorrem apresentações e eventos.

Há também dois pátios espanhóis decorados com azulejos originais, além de antigas máquinas e equipamentos, como uma aplanadora a vapor, que preservam parte da história local.

Foi uma visita que nos aproximou ainda mais da cultura e do cotidiano de Melo, uma pausa perfeita antes de voltar à estrada.

Deixamos a cidade e seguimos com a Formosa pela Ruta 8. Alguns quilômetros depois, o tempo mudou drasticamente: uma neblina densa tomou conta da paisagem, reduzindo a visibilidade e tingindo tudo de cinza.

Paramos no Mirante do Cerro Largo (Mirador Cerro Largo), às margens da rodovia, ponto estratégico para observar o morro que empresta nome ao departamento. Mas o nevoeiro não deu trégua e impossibilitou a vista do famoso Cerro Largo.

Mesmo assim, refletimos sobre a importância geológica e paisagística do Cerro Largo, parte das Sierras del Este, conjunto serrano que se inicia na costa sul, na chamada Sierra Ballena, e se estende pelo leste uruguaio. Em alguns trechos, essas serras revelam rochas formadas em antigos ambientes fluviais, deltáticos ou glaciais, registros de milhões de anos que guardam a história natural do Uruguai.

Com vento e frio cortante, fizemos uma pausa rápida: saboreamos uma laranja e nos aquecemos com um chá aromático de cacau, cravo e cascas de laranja. Simples, mas perfeito para nos aquecer e recuperar o ânimo na estrada.

A neblina começou a dissipar-se gradualmente, e logo cruzamos a estreita ponte sobre o Arroyo Parao, divisa natural entre Cerro Largo e o departamento de Treinta y Tres.

Já em Treinta y Tres, continuamos pela Ruta 8, uma rodovia em bom estado, com retas longas, curvas suaves, aclives tranquilos e pouco tráfego, um cenário quase bucólico para quem viaja de moto.

Tudo corria bem, até que a Formosa deu sua primeira engasgada. Olhei imediatamente para o painel: lá estava a temida luz laranja da reserva acesa, acompanhada da mensagem “LO RNG”. Foi quando me dei conta de que o último abastecimento tinha sido ainda no Brasil, em Jaguarão (RS), e a gasolina estava no fim. Um baita descuido.

Poucos metros adiante, outra falha. Estávamos próximos de uma propriedade rural, então parei no acostamento. Consultamos o Google Maps: o próximo posto ficava a cerca de 13 km, já em Treinta y Tres, capital do departamento.

Agitei a moto para frente e para trás, tentando movimentar o que restava no tanque. Virei a chave e, para nossa sorte, a Formosa ligou. Seguimos devagar, entre trancos, torcendo para que cada gota de gasolina nos aproximasse da cidade.

Foram 10 quilômetros tensos até avistarmos a desejada placa indicando Treinta y Tres. A menos de 2 km do posto, a moto engasgou três vezes antes de apagar.

Sayo decidiu seguir a pé, mas eu insisti em tentar mais uma vez: balancei a moto, virei a chave… e, milagrosamente, a Formosa ressuscitou.

Logo chegamos a uma ampla rotatória onde avistamos a placa luminosa da estação de serviços Ancap, que parecia uma miragem. A Formosa resistiu heroicamente e, graças a uma leve descida, deslizou suavemente até parar junto à bomba.

Foram abastecidos 18,854 litros de gasolina. Confesso que até hoje fico na dúvida se os 46 mililitros restantes estavam perdidos em algum canto do motor ou se o frentista, percebendo algo estranho, preferiu encerrar o abastecimento para evitar vazamento, algo que acontece com certa frequência.

O feito histórico da Formosa merecia celebração (já quem havia esquecido de abastecer, nem tanto). Para marcar o momento e aliviar a tensão, compramos um alfajor, um bocadito, duas medialunas, quatro empanadas e café com leite. Uma comemoração modesta, mas simbólica: a Formosa viva, nós aliviados e a viagem em frente.

Apenas para registro: o trecho entre Melo e Treinta y Tres tem pouco mais de 110 km, sem qualquer posto de combustível no percurso. Naquele dia, pagamos 80,88 pesos uruguaios por litro de gasolina Super 95 octanos, cerca de R$ 10,40 na cotação da época.

Com o tanque cheio e o coração tranquilo, seguimos até o centro de Treinta y Tres e estacionamos perto da Plaza 19 de Abril, a praça principal da cidade.

Enquanto caminhávamos pela principal praça da capital departamental, berço de cantores, escritores e artistas plásticos de reconhecimento internacional, fomos abordados por um senhor acompanhado de sua netinha, atraídos, claro, pela Formosa.

Tratava-se de Ricardo Machado, escritor e membro da tradicional dupla musical uruguaia Los Yaraví de Uruguay. Conversamos agradavelmente por alguns minutos, um daqueles encontros espontâneos que enriquecem qualquer viagem.

Em seguida exploramos os arredores e vimos a Parroquia San José Obrero, a Jefatura de Policía e a Intendencia Departamental de Treinta y Tres, onde funciona o centro de atendimento ao turista. Ali nos informamos sobre a Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal, destino que despertou nossa vontade de visitar e acampar.

Descobrimos que o Parque Municipal Quebrada de los Cuervos abre de quinta a domingo e, sendo segunda-feira, não fazia sentido seguir até lá, mas a ideia já havia nos conquistado.

Agradecemos o atendimento cordial dos funcionários e voltamos à praça. Enviamos uma mensagem aos amigos Alvaro e Mery, do balneário de Lago Merín – Río Branco, avisando que tínhamos chegado bem. Eles logo responderam com o contato de sua amiga Rosário, que gentilmente ofereceu hospedagem em sua casa, El Ranchito, na capital departamental.

Com o fim da tarde se aproximando, compramos um iogurte natural com morangos e mirtilos para comer antes de seguir até a casa de Rosário. Fomos recebidos com calor, abraços e muita hospitalidade, aquela essência uruguaia que sempre nos encanta.

Acima está o mapa com o trajeto percorrido entre Melo, capital do departamento de Cerro Largo, e Treinta y Tres, capital do departamento de mesmo nome, no Uruguai.