Viagem de Moto de Aparecida a Paraty: Caminho do Rosário, Porto Itaguaçu, O Lavandário de Cunha e Teatro Espaço

Antes de nos despedirmos de Aparecida (SP), a famosa Capital da Fé, aproveitamos a manhã para explorar a Cidade do Romeiro e caminhar pelo inspirador Caminho do Rosário, um verdadeiro museu a céu aberto que conecta fé, arte e natureza. Visitamos também o histórico Porto Itaguaçu, às margens do Rio Paraíba do Sul, onde em 1717 foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Em seguida, seguimos de moto rumo a Cunha (SP), onde o Lavandário nos presenteou com paisagens deslumbrantes e o aroma inconfundível das lavandas em flor. Para encerrar o dia em grande estilo, cruzamos a cênica Estrada Parque Paraty-Cunha e chegamos, ao anoitecer, à charmosa Paraty (RJ), onde assistimos ao emocionante espetáculo “Em Concerto”, no renomado Teatro Espaço, uma experiência cultural inesquecível.

O sábado amanheceu nublado em Aparecida, no interior de São Paulo. Após o café da manhã, seguimos a pé em direção à Cidade do Romeiro.

Em poucos minutos, chegamos ao complexo. Idealizada para acolher religiosos e peregrinos, a Cidade do Romeiro, em Aparecida (SP), oferece excelente infraestrutura, com amplo estacionamento, capela, hotel, centro de reuniões, centro comercial, restaurantes, áreas de convívio e uma vasta área verde com lagos e parques, distribuídos em mais de 116 mil m².

Logo na entrada da Cidade do Romeiro, que possui acesso gratuito, há um grande lago onde está localizado o Pedalinho Devotos Mirins. O espaço conta com 12 pedalinhos, seis em formato de caravela e seis em formato de cisne, proporcionando uma atividade tranquila e divertida para famílias e visitantes.

Outro destaque do complexo é o Trem do Devoto, formado por pequenas réplicas das tradicionais locomotivas Maria Fumaça. O trajeto conecta a Estação Cidade, situada dentro do complexo e próxima ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, à Estação Porto Itaguaçu, às margens do rio onde a imagem da santa foi encontrada. O percurso também inclui o encantador Caminho do Rosário, repleto de simbolismo e beleza natural.

Cada composição do Trem do Devoto possui sete vagões totalmente acessíveis, com capacidade para transportar até 84 passageiros por viagem. Além de proporcionar uma experiência diferenciada, o passeio facilita o deslocamento de idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida, integrando lazer, fé e acessibilidade.

Para embarcar no Trem do Devoto é cobrada uma tarifa, mas há uma alternativa gratuita para chegar ao local histórico do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, ocorrido em 1717: uma agradável caminhada pelo Caminho do Rosário, cercado por natureza e arte sacra.

Optamos por seguir a pé por esse caminho. Logo no início do percurso, fomos recebidos por uma bela imagem de Nossa Senhora Aparecida, cercada por rosas brancas, símbolo de paz, serenidade e conforto espiritual.

O trajeto entre a Cidade do Romeiro e o Porto Itaguaçu possui aproximadamente 1,3 km de extensão.

O Caminho do Rosário é adornado por 20 cenários que abrigam um total de 128 esculturas, criadas pelos artistas paraguaios Blas e Angela Servín.

Cada conjunto representa passagens dos quatro Mistérios do Rosário, oferecendo aos visitantes uma verdadeira experiência de fé, arte e contemplação a céu aberto.

O primeiro conjunto, os Mistérios Gozosos, retrata a Anunciação de Maria, a Visitação a Isabel, o Nascimento de Jesus, a Apresentação no Templo e o Encontro de Jesus no Templo.

Em seguida vêm os Mistérios Dolorosos, que representam a Agonia de Jesus, o Flagelo à Coluna, a Coroação de Espinhos, o Caminho do Calvário e a Crucificação.

Os Mistérios Gloriosos mostram a Ressurreição, a Ascensão, a Descida do Espírito Santo, a Assunção de Maria e a Coroação de Nossa Senhora.

Por fim, os Mistérios Luminosos abordam o Batismo de Jesus, as Bodas de Caná, o Anúncio do Reino de Deus, o Convite à Conversão, a Transfiguração e a Instituição da Eucaristia.

Além das obras de arte, o Caminho do Rosário oferece infraestrutura de apoio, com bancos para descanso, sanitários e bebedouros com água potável, garantindo conforto aos peregrinos e turistas.

Ao final do percurso, chegamos ao Porto Itaguaçu. O nome Itaguaçu tem origem no tupi-guarani e significa “Pedra Grande”.

Foi exatamente na curva do Rio Paraíba do Sul, em frente ao Porto Itaguaçu, que a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi encontrada por três pescadores no início do século XVIII, um dos acontecimentos mais emblemáticos da história religiosa do Brasil.

No local, destaca-se o monumento “Os Três Pescadores”, obra do artista Chico Santeiro, que homenageia João Alves, Domingos Garcia e Filipe Pedroso, os responsáveis pela descoberta da imagem.

O episódio ocorreu em 17 de outubro de 1717, quando o futuro Conde de Assumar, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, passava pelo vilarejo de Santo Antônio de Guaratinguetá a caminho de Minas Gerais.

Para oferecer um banquete em sua homenagem, a Câmara de Guaratinguetá lançou um desafio aos pescadores locais, prometendo uma recompensa a quem capturasse a maior quantidade de peixes.

Entre os participantes estavam João Alves, Domingos Garcia e Filipe Pedroso, que partiram de um porto particular na fazenda do capitão José Correia Leite, na então vila de Pindamonhangaba, vizinha de Guaratinguetá.

Registros históricos indicam que José Correia Leite, proprietário de terras e de pessoas escravizadas, faleceu em 1744. Em seu testamento, deixou alguns escravos a seus herdeiros, entre eles três chamados João, Domingos e Felipe, o que leva alguns pesquisadores a acreditar que os pescadores poderiam ter sido escravizados.

Por outro lado, muitos religiosos contestam essa hipótese. Embora reconheçam que, na época, a profissão de pescador fosse socialmente desvalorizada, defendem que João, Domingos e Filipe eram homens livres.

Curiosamente, um dos primeiros milagres atribuídos à santa envolve um escravizado chamado Zacarias, que teria fugido de uma fazenda no Paraná. Capturado no Vale do Paraíba, pediu ao feitor para rezar diante da imagem, e, ao se ajoelhar, as correntes que o prendiam se romperam, sem explicação.

Às margens do Rio Paraíba do Sul, no Porto Itaguaçu, uma grande cruz prateada marca o ponto exato onde a imagem foi encontrada, tornando o local um importante destino de fé e peregrinação.

O porto abriga também a Capela da Pesca Milagrosa, e dali partem passeios de balsa pelas águas do Paraíba do Sul, rio que nasce na Serra da Bocaina e percorre mais de 1.100 km até desaguar no Oceano Atlântico, no norte do estado do Rio de Janeiro.

Após visitarmos o local onde a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi encontrada, deixamos o Porto Itaguaçu e retomamos a caminhada pelo Caminho do Rosário.

Durante o retorno, uma fina garoa começou a cair, tratamos de apurar o passo.

Logo chegamos ao hotel, onde trocamos de roupa e carregamos as bagagens na Formosa. O tempo foi suficiente para que a garoa cessasse e as densas nuvens começassem a se dissipar.

Sob o céu azul e o brilho do sol que voltava a aparecer, nos despedimos da cidade conhecida como a “Capital da Fé”. Até a próxima, Aparecida – SP!

Seguimos viagem pela BR-116, neste trecho chamada Rodovia Presidente Dutra, até a vizinha Guaratinguetá, SP.

De lá, acessamos a SP-171, iniciando o mesmo trajeto que havíamos percorrido dois dias antes, mas desta vez no sentido oposto, rumo ao leste.

Bastaram alguns quilômetros pela rodovia estadual asfaltada e sinuosa até chegarmos ao Santuário Santo Expedito, localizado às margens da via.

O Santuário de Santo Expedito, ainda dentro do território de Guaratinguetá, abriga uma pequena e acolhedora capela dedicada ao Santo das Causas Urgentes, muito venerado pelos fiéis católicos.

Após conhecermos e fotografarmos a singela capela do santuário, retomamos a estrada, passando pelo trevo principal de acesso à cidade de Cunha (SP).

Poucos quilômetros adiante, paramos às margens da SP-171, ainda dentro do município, para conhecer um dos atrativos mais encantadores da região: O Lavandário.

Localizado a cerca de 1.200 metros de altitude, o Lavandário de Cunha abriga uma exuberante plantação orgânica de Lavandula dentata (lavanda francesa), além de canteiros com outras espécies de lavandas e ervas aromáticas.

A escolha das montanhas do interior de Cunha para sediar o empreendimento não foi por acaso. A região possui solo alcalino e bem drenado, aliado a temperaturas amenas, o que cria condições ideais para o cultivo de lavandas durante todo o ano.

A plantação reúne diversas espécies de plantas aromáticas, diferentes variedades de lavanda, alecrim, verbena, gerânio e manjericão, além de árvores frutíferas como oliveiras, limoeiros, laranjeiras, mexeriqueiras, cerejeiras, pitangueiras e jabuticabeiras.

O Lavandário é um exemplo de gestão ambiental responsável, com ações voltadas à preservação da Mata Atlântica e à proteção da biodiversidade local. Ipês, quaresmeiras, candeias, araucárias e assa-peixes crescem em harmonia com as plantações, enquanto insetos, répteis e aves convivem de forma equilibrada graças ao controle natural de suas populações.

Todo o cultivo é 100% orgânico, sem o uso de agrotóxicos, adubos químicos ou herbicidas. São aplicados apenas produtos naturais, que fortalecem e protegem as plantas. As abelhas, essenciais para a polinização, são presença constante no campo, especialmente nas flores de lavanda e manjericão. As ervas que crescem espontaneamente entre os cultivos são mantidas para auxiliar na fertilização do solo e na prevenção da erosão.

As lavandas são cultivadas em podas rotativas, o que garante um ciclo contínuo de floração e colheita. Assim, os visitantes podem observar plantas em diferentes estágios de desenvolvimento durante todo o ano, desde o broto até a plena floração, tornando a experiência sempre única.

Semanalmente, são plantados cerca de 300 novos pés de lavanda, que levam de três a quatro meses para florescer, mantendo o campo sempre colorido e perfumado.

Caminhar pelo florido percurso, respirar o ar puro das montanhas e sentir o inconfundível aroma das lavandas por todos os lados é uma experiência revitalizante para os sentidos e para a alma.

O cenário é completado pelo visual deslumbrante do Vale do Paraíba, cercado pelas Serras do Mar, da Bocaina e do Quebra-Cangalha, formando uma paisagem natural de rara beleza e serenidade.

Além do cultivo, o Lavandário de Cunha realiza a extração do óleo essencial de lavanda por meio do método tradicional de destilação por arraste a vapor, que garante pureza e alta qualidade ao produto. Esse óleo é amplamente utilizado em aromaterapia, cosméticos e tratamentos naturais.

O uso da lavanda remonta ao Império Romano, e seu nome vem do latim lavare, que significa “lavar”. Os romanos utilizavam a planta em banhos, na lavagem de roupas e na perfumação de ambientes, reconhecendo também suas propriedades calmantes, relaxantes e analgésicas.

O Lavandário de Cunha conta ainda com o Espaço Bem-Estar, onde são oferecidas sessões de massagem e relaxamento corporal, proporcionando momentos de tranquilidade e reconexão com a natureza.

No mesmo espaço, há uma lojinha charmosa que comercializa produtos artesanais, desde cosméticos e perfumes até itens culinários e decorativos, todos elaborados com os óleos essenciais produzidos no local.

Para completar a experiência, o Lavandário dispõe de um café aconchegante, onde são servidas delícias preparadas com as ervas cultivadas ali mesmo.

Foi nesse ambiente acolhedor que nos deliciamos com um chá fresco de lavanda e especiarias, um cupcake de mel com lavanda, um fofinho bolinho de chocolate com lavanda e um surpreendente sorvete artesanal de chocolate belga com lavanda, sabores que harmonizam perfeitamente com o perfume e a tranquilidade do lugar.

Após aproveitarmos o passeio e nos deliciarmos no Lavandário de Cunha, seguimos pela rodovia estadual SP-171 em direção a Paraty, RJ.

A estrada, de pista simples e sem acostamento, é repleta de curvas sinuosas, tornando-se um verdadeiro deleite para motociclistas que apreciam trajetos desafiadores e paisagens deslumbrantes.

Logo passamos ao lado da bela Cachoeira do Mato Limpo, que havíamos visitado na quinta-feira (relembre aqui).

Seguimos viagem cruzando parte do traçado original da antiga e histórica Estrada Real do Caminho do Ouro, também chamada Caminho Velho, rota que ligava as lavras de ouro de Minas Gerais ao Porto de Paraty durante o período colonial. Essa estrada, aberta no século XVII, foi essencial para o escoamento das riquezas do interior mineiro até o litoral fluminense.

Ao alcançarmos o alto da Serra do Mar, a pouco mais de 1.500 metros de altitude, fomos envolvidos por uma densa neblina, que conferiu um toque místico e cinematográfico ao passeio.Em meio ao espesso nevoeiro, cruzamos a divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, simbolizando o início de mais um capítulo dessa viagem.

Em meio ao espesso nevoeiro, cruzamos a divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Já em território fluminense, iniciamos a descida pela cênica Estrada Parque Paraty-Cunha, uma das rotas mais belas do Brasil. A estrada oferece vistas panorâmicas da Mata Atlântica e da costa litorânea de Paraty, proporcionando uma experiência inesquecível para quem a percorre.

Esse trecho, revestido por paralelepípedos e com tráfego restrito a veículos leves, conta com diversos mirantes naturais que revelam a exuberância da floresta e o brilho do mar ao longe.

Com o tempo encoberto e cercados pela névoa, conseguimos apreciar a paisagem em apenas um dos pontos de parada da emblemática Estrada Parque Paraty-Cunha, o que nos deixou com ainda mais vontade de retornar em um dia ensolarado para contemplar toda a sua beleza.

Logo chegamos ao final da Estrada Parque Paraty-Cunha, onde a rodovia estadual RJ-165 passa a ser asfaltada.

Mesmo assim, o trecho continua estreito e sinuoso. Ao passarmos pelo estacionamento que dá acesso à Cachoeira do Tobogã e ao Poço do Tarzan, já no município de Paraty (RJ), avistamos uma grande movimentação de carros e jipes de turismo, reflexo do intenso fluxo de visitantes que costumam aproveitar o sábado para conhecer essas atrações naturais.

Dali, bastaram alguns quilômetros pelo trecho final da RJ-165 até chegarmos ao centro histórico de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro.

Já no centro de Paraty, encontramos um hotel onde estacionamos a Formosa e seguimos a pé pelas charmosas ruas de calçamento em pedra “pé-de-moleque”, característica marcante da cidade colonial. Caminhar por essas vias é como voltar no tempo, absorvendo o charme e a atmosfera única que fazem de Paraty um Patrimônio Mundial da Humanidade, título concedido pela UNESCO em 2019.

Ao nos aproximarmos do Cais de Paraty, avistamos diversos barcos coloridos atracados, entre eles um que chamou nossa atenção pelo nome: Nícolas.

Conversamos com o proprietário da embarcação, o simpático Ubiraci, que gentilmente nos permitiu conhecer e fotografar o interior do barco. Com um nome como Nícolas, não havia dúvidas, era realmente uma embarcação especial!

Em seguida, retomamos a caminhada pelas estreitas ruas do centro histórico até chegarmos ao Sobrado dos Abacaxis, uma das construções mais icônicas e fotogênicas de Paraty, RJ.

O casarão, de arquitetura colonial e detalhes ornamentais únicos, recebeu esse nome por exibir o maior número de abacaxis esculpidos em sua fachada, símbolo que representava riqueza e prosperidade.

Como mencionamos durante nossa visita ao centro histórico de Cunha, ao passarmos pelo Casarão Osmar Felipe, os abacaxis eram considerados um símbolo de nobreza. No período colonial, exibir a fruta na fachada das edificações era um privilégio restrito às elites, pois o abacaxi, com sua cor dourada e sua “coroa”, remetia diretamente à realeza.

Do Sobrado dos Abacaxis, seguimos até o Teatro Espaço, principal motivo do nosso retorno a Paraty.

Visitamos o versátil Teatro Espaço na terça-feira anterior (leia o relato aqui). Como o tradicional espetáculo de bonecos do Grupo Contadores de Estórias é apresentado apenas aos sábados, não poderíamos perder a oportunidade de assisti-lo ao vivo, especialmente depois de já termos nos encantado com suas apresentações online.

Com os ingressos reservados por telefone (algo essencial, pois o teatro costuma lotar), assistimos naquela noite ao espetáculo “Em Concerto”, reconhecido internacionalmente e listado entre os 10 melhores espetáculos de teatro de bonecos do mundo.

Encantados com a magia e a sensibilidade do espetáculo no Teatro Espaço de Paraty, encerramos o dia com chave de ouro, levando conosco memórias inesquecíveis dessa experiência cultural e poética, que uniu arte, emoção e o espírito acolhedor de uma das cidades mais encantadoras do Brasil.

Acima o mapa com o trajeto percorrido no dia entre Aparecida – SP e Paraty – RJ.