Viagem de Moto de Treinta y Tres à Quebrada de los Cuervos: Acampamento e Trilhas no Uruguai

Depois de quatro noites no acolhedor El Ranchito, em Treinta y Tres, seguimos viagem de moto rumo à Quebrada de los Cuervos, um dos cenários naturais mais emblemáticos do Uruguai. Sob um céu azul de inverno, rodamos pela Ruta 8 e depois por estradas de terra cercadas por paisagens rurais até chegar ao Parque Municipal Quebrada de los Cuervos. Montamos acampamento ao pôr do sol, com as Sierras del Yerbal tingidas de tons dourados e violeta. No dia seguinte, percorremos a trilha mais famosa do parque, passando por túneis de árvores, samambaias altas, pontes de madeira e mirantes inesquecíveis. O ápice foi o Mirador Panorámico, onde o Arroyo Yerbal Chico serpenteia lá embaixo formando uma ferradura perfeita, uma vista que define a grandiosidade do Paisaje Protegido Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal.

A sexta-feira amanheceu gelada em Treinta y Tres, capital do departamento uruguaio de mesmo nome. Os termômetros marcavam 2 °C, e uma névoa densa cobria o entorno do charmoso chalé El Ranchito. Acordamos cedo, com o sol ainda tímido tentando atravessar o céu cinzento, e começamos a nos preparar para um dia especial: nossa viagem de moto rumo à Quebrada de los Cuervos, um dos destinos naturais mais impressionantes do Uruguai.

Com a curiosa Chiquita acompanhando cada movimento, guardamos nossos pertences nas mochilas e encaixamos tudo nos alforjes da nossa companheira de estrada, a Formosa. É interessante como, ao longo de uma viagem longa de moto, cada item encontra seu lugar ideal: no início tudo parece perfeitamente planejado, mas com o passar dos dias a praticidade passa a ditar a lógica da organização.

Antes de partir, recoloquei os pelegos (ou o que restava deles) nos bancos da moto, enquanto a Sayo preparava um omelete de forno digno de elogios: brócolis, presunto, queijo, cebola, gergelim integral e especiarias. Um verdadeiro combustível para começar o dia.

Aproveitamos os últimos momentos para fazer algumas fotos do El Ranchito, essa casa acolhedora que tão bem nos recebeu por quatro noites, gentilmente cedida pela querida Rosario. É quase inacreditável que o chalé esteja a apenas 2 km do centro de Treinta y Tres. Ali, a vida acontece devagar: o silêncio é quebrado apenas pelo canto dos pássaros, pelo mugido das vacas e, ocasionalmente, pelo berro determinado de algum carneiro vizinho.

El Ranchito é um lugar de paz. Tudo ali transmite cuidado: a decoração de bom gosto, o jardim convidativo, os espaços amplos onde dá vontade de ficar mais do que o planejado. A energia acolhedora da Rosario e, claro, a presença constante da Chiquita, tornaram aquele lugar um verdadeiro refúgio especial.

Por volta das 14h, nos despedimos da Rosario com um abraço apertado, fizemos um último carinho na Chiquita e seguimos viagem. Muchas gracias, Rosario! Somos eternamente gratos e esperamos um dia retribuir seu carinho e atenção.

Seguimos pela Ruta 8 sentido Melo, e após aproximadamente 20 km deixamos o asfalto para entrar em uma estrada de terra rumo ao Parque Municipal Quebrada de los Cuervos.

A partir dali, são cerca de 22 km de estrada rural. Durante nossa passagem, a via estava em boas condições. Encontramos alguns trechos com pedras soltas e costelas de vaca que exigiam atenção, mas a paisagem ao redor tornava cada minuto prazeroso: campos amplos, colinas suaves e aquele silêncio típico do interior uruguaio.

A região da Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal abriga propriedades privadas que oferecem trilhas ecológicas, hospedagens, refeições típicas e experiências como cavalgadas e observação de aves, um convite aberto a quem busca contato genuíno com a natureza.

Chegamos ao Parque Municipal Quebrada de los Cuervos no fim da tarde. A recepção foi calorosa, gentil e cheia daquele jeitinho simples e verdadeiro que encontramos com frequência no Uruguai. Que povo acolhedor!

Um inesquecível pôr do sol coloria o céu das Sierras del Yerbal, no leste do Uruguai, quando terminamos de montar a barraca, enquanto dezenas de pássaros sobrevoavam o local: cardeais vermelhos vibrantes, canarinhos afinados, bem-te-vis inquietos, sabiás curiosos e outras espécies que ainda estamos aprendendo a identificar.

Para o jantar, improvisamos uma parrilla brasileña viajera: cookies integrais de aveia com banana e uvas-passas aquecidos na grelha, acompanhados por pães de queijo feitos com boniato (batata-doce). De sobremesa, bananas assadas diretamente nas brasas. Simples, quente e delicioso.

Nossa primeira noite acampando no Uruguai foi fria e úmida, porém relaxante e tranquila. Ao acordarmos, nas primeiras horas de sábado, encontramos tudo úmido por dentro da barraca, não por chuva, mas por condensação. A temperatura novamente rondava o zero, e a neblina pintava o cenário com um charme introspectivo.

Não nos desesperamos. Pelo contrário: preparamos um mate especial com erva-mate e cannabis da BioMate para aquecer o corpo e relaxar a alma. Depois, montamos um varal improvisado entre as árvores e deixamos o sobre-teto, sacos de dormir e colchonetes secando enquanto o clima melhorava lentamente.

No fim da manhã, decidimos caminhar até o centro de visitantes do Parque Municipal Quebrada de los Cuervos. O espaço oferece ótima infraestrutura: banheiros limpos, internet gratuita, área administrativa para pagamentos e cadastro, estacionamento, pontos de luz e quiosques com venda de lembrancinhas. Ainda na área do parque há oito churrasqueiras, um quiosque espaçoso e cabanas para hospedagem. E, claro, aves por todos os lados: cardeais, sabiás do campo, bicos-duros e outros visitantes alados.

A Quebrada de los Cuervos foi a primeira área natural protegida do Uruguai, com 365 hectares reconhecidos em 1986. Em 2008, o parque foi integrado ao Sistema Nacional de Áreas Protegidas, alcançando 4.413 hectares. Em 2020, a área foi ampliada para 19.395 hectares, incorporando as Sierras del Yerbal, quando recebeu seu nome atual: Paisaje Protegido Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal.

Hoje, essa área preserva formações rochosas, arroios, cascatas e cachoeiras, com temperaturas amenas, altos níveis de umidade (como pudemos comprovar durante a noite) e uma baixa incidência de vento. Essas condições favorecem formações vegetais incomuns no Uruguai.

Por aqui encontramos: 70% de flora nativa, mais de de 100 espécies de aves, 20 espécies de mamíferos, 18 espécies de anfíbios e 20 espécies de peixes. Sem exageros: o Paisaje Protegido Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal é um santuário ecológico vivo.

Para explorar toda essa maravilha, o Parque Municipal Quebrada de los Cuervos oferece duas trilhas principais: Sendero del Pastizal e Sendero de Quebrada de los Cuervos, além de um mirante espetacular. Optamos pela trilha mais extensa e famosa.

Do centro de visitantes até o início da trilha são cerca de 2 km de estrada de terra, percorridos a pé ou com veículo próprio. Com o mate na mão, algumas gostosuras e muita água na mochila, caminhamos até o ponto inicial do Sendero de Quebrada de los Cuervos. Logo encontramos um amplo estacionamento, uma placa detalhada com o mapa de todo o percurso da trilha e uma escolha: trilha completa com aproximadamente 3 km de extensão à direita ou o famoso Mirador Panorámico de la Quebrada de los Cuervos a 500 metros em frente. Como o percurso é circular e termina no mirante, optamos pela trilha completa.

Começamos descendo dos 240 metros de altitude rumo ao Arroyo Abuelo Aguaí, que marca o início da floresta do vale. No Uruguai e na Argentina, o termo quebrada descreve exatamente esse tipo de formação: um cânion esculpido pela água em terreno montanhoso.

A trilha é belíssima: túneis naturais de árvores, samambaias altas, pontes de madeira e o som constante da água. Após cruzar quatro pequenas pontes, chegamos à placa de número 2: início da subida ao Cerro Panorámico (Morro Panorâmico).

A subida exigiu fôlego, estamos um pouco fora de forma, admito, já que nossa última caminhada mais extensa foi a Trilha do Cânion Perau do Facão, no início deste ano. Quando alcançamos o topo do Cerro Panorámico, tiramos as jaquetas, respiramos fundo e comemoramos com as tradicionais bananas da vitória, coco desidratado e muita água. A vista já começava a revelar o formato do cânion.

Seguimos caminhando por uma área plana de vegetação rasteira, onde há relatos de tamanduás, mas nenhum apareceu para nos dar um hola. O vento frio voltou a soprar forte, e as jaquetas retornaram ao corpo.

No ponto 4, Balcón del Yerbal, fizemos nova pausa: mate, castanhas e o som da natureza. Com as energias recarregadas, iniciamos a íngreme descida até o ponto 5, um penhasco com vista panorâmica para o Arroyo Yerbal Chico, de onde avançamos com auxílio de cordas e escadas de madeira até o leito do arroio.

Esse é o ponto 6: Piedra Sola – Refugio del Tingazú, como os uruguaios chamam o pássaro alma-de-gato (Piaya cayana). O arroio forma ali um lago natural que parece saído de um livro ilustrado, rodeado por grandes pedras arredondadas, cada uma com sua história. Caminhamos por elas, acompanhando a margem do rio por alguns metros, até chegarmos ao ponto 7, onde foi preciso saltar entre as rochas para atravessar o Arroyo Aguaí, o mesmo que havíamos cruzado no início da trilha por meio das pequenas pontes de madeira.

A partir dali começou a longa e exigente subida final. O esforço era grande, mas a paisagem compensava cada passo. Com um sorriso que denunciava cansaço e encantamento, chegamos ao ponto 8: Pedregal – o Coração da Quebrada. Ali, sentamos entre rochas pontiagudas, cercados pelo canto dos pássaros e pela energia poderosa do lugar. Preparamos um mate sem pressa, acompanhado por mandarinas e bergamotas, e apenas existimos (presentes, conectados, gratos). Gracias, Madre Tierra. Gracias, Pachamama.

Depois de longos minutos, talvez horas, contemplando aquela beleza que dispensa palavras, seguimos os últimos metros do percurso até finalmente alcançar o ponto 9: o Mirador Panorámico, que oferece a vista mais emblemática de toda a Quebrada de los Cuervos.

Dali, a vista era simplesmente arrebatadora. A Quebrada de los Cuervos se abria diante de nós em um vale profundo e dramático, com o Arroyo Yerbal Chico serpenteando lá embaixo e formando uma ferradura perfeita, como um fio de prata entre rochas antigas e vegetação densa. O verde parecia infinito: vivo, bruto, quase selvagem, e contrastava com o céu azul-acinzentado, que dava ao lugar um ar cinematográfico e intocado.

Do alto do mirante, o silêncio tinha peso, mas não durou muito: logo foi tomado por um espetáculo natural que jamais esqueceremos. Dezenas de urubus sobrevoavam o cânion com movimentos lentos e precisos, aproveitando as correntes de ar como se dançassem no vazio, um balé silencioso e quase hipnótico que justificava com perfeição o nome do vale: Quebrada de los Cuervos. Entre eles observamos urubus de cabeça vermelha, considerados os guardiões espirituais da região, alguns de cabeça amarela, e, com ainda mais sorte, os raros urubus de cabeça preta. Ficamos ali por longos instantes, absorvendo aquele cenário surreal e majestoso, com a sensação clara de que estávamos diante de algo muito maior do que uma simples paisagem: era natureza pura, ancestral, sagrada.

O Paisaje Protegido Quebrada de los Cuervos y Sierras del Yerbal, no departamento uruguaio de Treinta y Tres, é um lugar mágico! Vibrante. De uma tranquilidade profunda, daqueles lugares que lembram a gente de respirar com mais calma. Se você tiver a oportunidade, venha sentir esse lugar, não apenas visitar. Toda a trilha é muito bem sinalizada, com lixeiras ao longo do percurso e placas explicativas, tornando a experiência segura e organizada. E para quem não deseja, ou não pode, fazer o circuito completo, vale lembrar que o acesso direto ao mirante é curto (aprox. 500 metros) e totalmente acessível.

Voltamos ao acampamento ao cair da tarde. A área de camping do Parque Municipal Quebrada de los Cuervos conta com ótima estrutura: quiosque coberto com churrasqueira, mesas, pias e cadeiras. Não há energia elétrica, o que, aliás, combina perfeitamente com o ambiente. Os banheiros estavam limpos e possuem chuveiro com água quente… ou melhor, costumam ter, porque durante nossa estadia o gás havia acabado (algo totalmente compreensível em baixa temporada). Resultado: “banho tcheco” para a Sayo e banho nenhum para quem vos escreve, o que talvez explique o interesse exagerado de alguns urubus ao longo da trilha.

Depois de um dia intenso e inspirador, a Sayo preparou um jantar caprichado: escondidinho de batata rosa com atum, finalizado com um refogado aromático de alho-poró, cenoura e especiarias. Reconfortante, saboroso e merecido.

O frio aumentou rápido, e nos recolhemos cedo. A noite foi silenciosa, daquelas em que o mundo parece pausar. Dormimos cansados, felizes e profundamente agradecidos. Porque a Quebrada de los Cuervos, no Uruguai, não é apenas um destino: é um sentimento que permanece, ecoa e transforma.