Lago Merín: O Nascer do Sol Mais Oriental do Uruguai, Avistamento de Aves e Pôr do Sol no Bañado del Yacaré

Os dias que passamos no balneário de Lago Merín, no distrito de Río Branco, departamento de Cerro Largo, revelaram uma faceta ainda mais autêntica e surpreendente desse tranquilo recanto do Uruguai. Caminhamos pelas areias claras e finas da orla da Lagoa Mirim, explorando o silêncio da baixa temporada enquanto o vento gelado desenhava pequenas ondas na superfície da água. Vivemos momentos inesquecíveis, como contemplar o nascer do sol no ponto mais oriental do país, onde a luz toca primeiro o território uruguaio, e participar de um evento de avistamento de aves promovido pela Fundación Lagunas Costeras, que nos conectou ainda mais à rica biodiversidade local. Para coroar a experiência, encerramos o dia com um pôr do sol arrebatador no Bañado del Yacaré, ao lado dos amigos que Lago Merín nos presenteou, dando à despedida um significado ainda mais especial.

Despertamos ainda nas primeiras horas desta sexta-feira e, enquanto o sol permanecia escondido no horizonte de Lago Merín, no Uruguai, aproveitamos o silêncio gelado da manhã para nos aquecer com um mate amargo, finalizar a edição de alguns vídeos para o nosso canal no YouTube e concluir a leitura inspiradora do livro No Guidão da Liberdade, de Antonio Olinto Ferreira.

Aliás, as valiosas orientações presentes no livro 7 Passos Andinos + Preparação para uma Grande Viagem de Bicicleta, de Antonio Olinto e Rafaela Asprino, foram fundamentais na organização das nossas bagagens para esta viagem de moto. Se você ainda não conhece o trabalho desse casal de ciclistas, vale muito explorar o site deles, repleto de dicas práticas para viajantes independentes.

O vento continuou forte e gelado ao longo de toda a manhã em Lago Merín, mas não deixamos que isso abalasse o nosso ânimo. Optamos por esperar pacientemente o sol aparecer para aproveitar com plenitude a beleza serena da orla desse encantador balneário uruguaio.

Aos poucos, o céu foi se abrindo, e por volta das 15h já era possível caminhar pela maravilhosa orla do balneário de Lago Merín sob um céu azul vibrante, com a luz refletida na água calma da enorme laguna que domina a paisagem local.

Como mencionamos em publicações anteriores, Lago Merín é um distrito pertencente ao município de Río Branco, no departamento de Cerro Largo, região leste da República Oriental do Uruguai, famosa por suas águas claras, areias finas e clima descontraído, sobretudo fora da alta temporada.

Do balneário até o centro de Río Branco são aproximadamente 20 quilômetros de estrada asfaltada, um trajeto curto que contrasta com a mudança de atmosfera ao chegar à fronteira com Jaguarão, no Rio Grande do Sul. O movimento intenso dos free shops e o fluxo constante de turistas criam um contraste interessante com a tranquilidade absoluta de Lago Merín, que nesta época do ano permanece praticamente deserto, oferecendo uma experiência mais íntima da natureza local.

Ali, o maior atrativo são as extensas praias formadas às margens da Laguna Merín, um sistema lagunar de grande importância ambiental. A laguna possui cerca de 3.750 km² de área superficial, sendo aproximadamente 2.750 km² em território brasileiro, onde é chamada de Lagoa Mirim, e 1.000 km² em território uruguaio.

Localizada sobre a planície costeira, ela integra a Bacia Hidrográfica Mirim – São Gonçalo (BHMSG), responsável por abastecer ecossistemas essenciais nos dois países e por formar, em conjunto com a Laguna dos Patos, o maior complexo lagunar da América do Sul. A relevância ambiental da Lagoa Mirim é amplamente reconhecida por abrigar uma expressiva diversidade de fauna e flora, sustentando habitats essenciais para espécies residentes e migratórias.

Há um debate histórico entre geólogos e hidrólogos sobre a classificação da vizinha Lagoa dos Patos, pois muitos especialistas defendem que, devido às suas características físicas e de salinidade variável, a estrutura deveria ser chamada de laguna e não de lagoa. Isso faz com que, dependendo da terminologia adotada, a Lagoa Mirim seja considerada a maior lagoa do Brasil ou a segunda maior.

Ambas, porém, estão interligadas pelo Canal São Gonçalo, um curso natural com aproximadamente 76 quilômetros de extensão, que transporta as águas da Lagoa Mirim para a Laguna dos Patos. Em períodos prolongados de estiagem, ocorre o fenômeno inverso: a entrada de água salobra da Laguna dos Patos em direção à Lagoa Mirim, alterando temporariamente as dinâmicas ecológicas locais.

Ao redor desta bacia hidrográfica situam-se duas importantes reservas ambientais: a Estação Ecológica do Taim, no Brasil, e a Humedales del Este (ou Bañados del Este), no Uruguai. A Estação Ecológica do Taim é uma unidade de conservação federal de proteção integral, reconhecida internacionalmente por abrigar banhados, lagoas, dunas, campos e matas, sendo habitat de uma enorme variedade de espécies, incluindo capivaras, cervos-do-pantanal, jacarés e diversas aves migratórias.

Do lado uruguaio, os Bañados del Este constituem uma área úmida de cerca de 560 mil hectares, inscrita na Convenção Ramsar e reconhecida como Reserva da Biosfera pela UNESCO, formando um conjunto de parques nacionais, paisagens protegidas e áreas manejadas, fundamentais para a conservação de ecossistemas costeiros e lagunares.

Assim, além de sua beleza cênica impressionante, a Lagoa Mirim possui enorme relevância ambiental e histórica para a região. E o distrito de Lago Merín oferece estrutura adequada para quem deseja explorar um trecho desse vasto e preservado território natural.

Caminhamos tranquilamente pelas areias claras que contornam a laguna, observando o comportamento das aves que sobrevoavam a área. Foi então que a Sayo avistou uma lontra, um encontro raro e emocionante, já que lontras costumam ser discretas. Após alguns instantes procurando, também consegui enxergá-la saboreando um peixe fresco antes de mergulhar rapidamente e desaparecer sob as águas onduladas da Laguna Merín.

Além da observação da fauna local, a região oferece oportunidades para pesca, lazer familiar e a prática de esportes náuticos como kitesurf e windsurf, modalidades que encontram ali um cenário ideal graças aos ventos fortes e constantes característicos da costa uruguaia. Outra vantagem é que Lago Merín possui várias praias, com áreas acessíveis e outras adaptadas para visitantes acompanhados de pets.

Uma curiosidade etimológica interessante é que o nome “Lagoa Mirim” tem origem no termo tupi-guarani mi’rí, que significa “pequena”. O nome foi atribuído pelos povos originários, em uma comparação direta com a vastidão da Laguna dos Patos.

No fim da tarde, enquanto caminhávamos, chegamos ao ponto onde está instalada a imagem de Iemanjá, a divindade das águas muito venerada na cultura afro-uruguaia e afro-brasileira. A escultura, posicionada de costas para a lagoa, parece proteger simbolicamente o espaço onde embarcações costumam atracar.

E foi ali perto que vivemos uma surpresa deliciosa: encontramos nossos amigos Alvaro e Mery passando casualmente pela rua. O encontro, totalmente inesperado, pareceu até combinado.

Seguimos juntos pelas charmosas ruas de chão batido que compõem o centrinho de Lago Merín e aproveitamos o momento para treinar nossas habilidades fotográficas (ou lidar com a ausência delas) tentando registrar algumas das muitas aves que cruzavam nosso caminho.

Contamos com a expertise de Alvaro e Mery, apaixonados por birdwatching, que compartilharam conosco técnicas e curiosidades sobre a observação e a fotografia de aves.

A propósito, Lago Merín seria sede, entre aquele dia e o seguinte, de um evento gratuito de avistamento de aves promovido pela Fundación Lagunas Costeras, uma instituição dedicada à pesquisa e preservação dos ecossistemas lagunares da região.

O convite para participar do evento nos foi feito por Alvaro e Mery ainda no churrasco dequarta-feira, e claro que aceitamos imediatamente.

Assim, nos afastamos das margens da Lagoa Mirim e seguimos em direção ao Bañado del Yacaré, uma imensa área alagada rodeada por campos, vegetação nativa e impressionantes cupinzeiros, que fornecem alimento e abrigo para diversas espécies.

Aproximando-nos da casa de nossos amigos, recebemos um convite carinhoso para um lanche antes do anoitecer. Ao chegarmos, outra surpresa agradável: Mery havia preparado uma deliciosa torta de limão, conhecida no Uruguai como Lemon Pie, sobremesa muito popular no país.

Após saborear a iguaria, seguimos para contemplar o pôr do sol nas imediações do Bañado del Yacaré, onde o céu alaranjado refletia nas poças e áreas alagadas de forma absolutamente deslumbrante.

Mais tarde, retornamos à casa de nossa anfitriã, Gissel. Estávamos nos acomodando com uma xícara de chá quando Alvaro e Mery chegaram novamente para irmos juntos ao Hotel Laguna Merín, local oficial das atividades do evento de observação de aves.

Chegamos pontualmente às 18h30 para participar do “Taller: Aves de las Lagunas Costeras”, conduzido com maestria por Agus Medina. A apresentação foi clara, didática e repleta de informações fundamentais para a caminhada do dia seguinte no Bañado del Yacaré. Agus abordou aspectos comportamentais, identificação, habitats e rotas migratórias, além de orientar sobre os melhores horários e técnicas para observação.

Por volta das 21h encerramos a atividade e enfrentamos novamente o vento gelado típico de Lago Merín, retornando para descansar.

No sábado, acordamos cedo, preparamos um chá quente e nos dirigimos rapidamente à margem da Lagoa Mirim para testemunhar um espetáculo inesquecível: o nascer do sol no ponto mais oriental da República Oriental do Uruguai, onde o astro nasce primeiro no território uruguaio.

Buen día Lago Merín, Uruguay! O reflexo dourado formando um verdadeiro espelho na superfície da lagoa, combinado à presença de inúmeras aves sobrevoando a área, criou uma imagem indescritível, uma daquelas que permanecem para sempre gravadas na memória.

Com o sol já mais alto, voltamos para casa, preparamos um chimarrão especial de primeira e seguimos para o ponto de encontro do evento no Bañado del Yacaré. Essa reserva privada protege uma área costeiro-lagunar riquíssima, composta por banhados, campos, ilhas com vegetação subtropical e extensas regiões alagadas, fundamentais para a manutenção da biodiversidade local.

Com o tempo, nossos colegas observadores de aves começaram a chegar, incluindo Álvaro e Mery. A organização do evento, realizada pela Fundación Lagunas Costeras, impressionou pela estrutura: todos os participantes tiveram acesso a binóculos profissionais gratuitos, o que fez toda a diferença na experiência.

Às 8h30, pontualmente como planejado, iniciou-se oficialmente a caminhada. Seguimos pela trilha, atentos aos sons da mata e aos movimentos nas áreas alagadas, enquanto Agus Medina, com uma impressionante rapidez, identificava as aves e compartilhava conosco suas descobertas por meio de um extenso guia ilustrado.

Também instalamos em nossos celulares os aplicativos eBird e Merlin, recomendados na noite anterior, que facilitam o registro e a identificação das espécies encontradas. O Merlin, em particular, se revelou uma ferramenta incrível, pois além de identificar aves a partir de fotos, também consegue reconhecê-las por meio de áudios ou até mesmo por descrições, o que torna a experiência ainda mais interessante e dinâmica.

O Uruguai é lar de cerca de 500 espécies de aves, das quais aproximadamente 65% são residentes (nidificam no país) e o restante são migratórias. Dada a extensão do território, com pouco mais de 176.000 quilômetros quadrados, o número de espécies de aves é notavelmente alto. Importante destacar que nenhuma dessas espécies é endêmica, no entanto, é alarmante notar que quase 23% dessas espécies estão ameaçadas de extinção, o que destaca a urgência de medidas para sua preservação.

Durante o evento, soubemos que a última caminhada de avistamento de aves realizada em Lago Merín, em 2021, registrou mais de 120 espécies em poucas horas. Este ano não foi diferente: foram inúmeras espécies observadas em um intervalo curto de tempo, graças à localização privilegiada de Lago Merín às margens da extensa laguna costeira e ao entorno conservado do Bañado del Yacaré, repleto de cupinzeiros e outros habitats que favorecem a formação de alimento para aves residentes e migratórias. É justamente por essa abundância que a região recebe tantas aves vindas da América do Norte durante suas rotas migratórias, encontrando ali um local seguro e fértil para descanso e alimentação.

Por volta do meio-dia, concluímos nossa caminhada e registramos um momento especial com a turma, formada por pessoas extremamente simpáticas, acolhedoras e com profundo conhecimento sobre o tema. Agradecemos imensamente a Mery e Alvaro pelo convite para participar do evento de avistamento de aves em Lago Merín, a Agus e toda a equipe da Fundação Lagunas Costeiras pela condução impecável, orientação e suporte durante todo o percurso, e a todos os participantes que tornaram este evento ainda mais especial e memorável.

Depois voltamos para casa para preparar o almoço, e à tarde aproveitamos o tempo para lavar roupas e organizar o equipamento, já que no dia seguinte pretendíamos nos despedir de Lago Merín nas primeiras horas da manhã.

Encerramos o dia reencontrando Alvaro, Mery e Sofy para compartilhar um mate e contemplar mais um magnífico pôr do sol no Bañado del Yacaré, fechando com chave de ouro um dia repleto de descobertas, aprendizado e momentos inesquecíveis.

Que dia fabuloso! Começamos com um nascer do sol extraordinário, participamos de um evento de avistamento de aves que nos encantou e despertou ainda mais nossa curiosidade pela vida selvagem, e concluímos admirando o pôr do sol na companhia de amigos queridos. Muchas gracias, Lago Merín!