Argentina • Expedição 2019: Salta – Jujuy – Tucumán
Viagem de Moto de Santiago del Estero a Corrientes: Calor, Retas Infinitas e uma Roda Rachada na Argentina
3 de Outubro, 2019
Embarque em uma viagem de moto entre Santiago del Estero e Ituzaingó, na Argentina. Tudo seguia conforme o planejado, até uma parada em Corrientes revelar um problema: a roda traseira da Formosa estava rachada!
Nosso plano para hoje era simples: partir de Santiago del Estero e rodar até Ituzaingó, na província de Corrientes, encerrando a penúltima etapa da Moto Expedição 2019: Salta – Jujuy – Tucumán. A viagem transcorria exatamente como esperado, até que uma parada para abastecimento em um posto na cidade de Corrientes revelou um problema sério: a roda traseira da Formosa estava rachada! O que era para ser um dia tranquilo na estrada se transformou em um verdadeiro teste de resistência e improviso, mudando completamente o rumo da nossa jornada.

Após um café da manhã reforçado no hotel, buscamos a Formosa na garagem a uma quadra dali.

Equipados com jaquetas de couro, capacetes e toda a bagagem organizada, pegamos a estrada ainda no início da manhã, deixando para trás a agitada Santiago del Estero pela Ruta Nacional 34.

Após percorrer cerca de 60 km pela movimentada Ruta Nacional 34, entramos em uma estrada muito mais tranquila: a Ruta Nacional 89.

Com menos tráfego e uma paisagem mais serena, o caminho tornou-se ainda mais agradável, permitindo que aproveitássemos cada quilômetro com mais tranquilidade.


O trajeto pela Ruta Nacional 89 nos presenteou com paisagens típicas da região: vastos canaviais se estendendo até onde a vista alcança, seguidos por campos de algodão que pintavam o caminho de branco. Era como atravessar um mosaico de cultivos, cada um revelando um pouco da riqueza agrícola local.


O céu, que prometia estar aberto e ensolarado, estava coberto por uma névoa espessa – muito provavelmente resultado das queimadas típicas da região nesta época do ano.


A fumaça densa embaçava o horizonte, apagando o azul do céu e tingindo a luz do sol de um tom alaranjado surreal. Mesmo assim, a estrada seguia convidativa, com seus campos de cultivo aparecendo e desaparecendo na bruma como num quadro impressionista.


Passava um pouco das 11 horas quando cruzamos a divisa entre Santiago del Estero e Chaco, marcando nosso retorno à querida província do Chaco.


Ali, a Ruta Nacional 89 nos recebeu com seus trechos tranquilos e longas retas, convidando a seguir adiante em nossa jornada.


O sol escaldante ganhava força conforme as horas passavam, e já no início da tarde o termômetro marcava quase 40°C.

O calor abrasador transformava a estrada em um forno a céu aberto, fazendo ondular o ar sobre o asfalto e testando nossos limites sob as pesadas jaquetas de couro.


O trajeto até então havia sido dominado por longas retas e curvas suaves, permitindo que mantivéssemos uma velocidade constante.


Apenas nas passagens pelas cidades precisávamos reduzir, onde rotatórias (ou “rotondas”, como dizem nossos hermanos) marcavam os acessos urbanos. Foi em uma dessas reduções de velocidade que notei algo estranho: a Formosa emitia uma vibração sutil e um ruído ritmado, diferente do habitual, aparentemente vindo do pneu traseiro.


Preocupado, parei no acostamento para uma inspeção rápida. Verifiquei a calibragem e o estado dos pneus – ambos pareciam normais, sem nenhum sinal visível de problema. Sem conseguir identificar a causa, decidimos seguir adiante, mantendo atenção redobrada.



Pouco depois, chegamos a Avia Terai, onde a Ruta Nacional 89 termina (ou começa, dependendo da perspectiva), encontrando-se com a Ruta Nacional 16.


Ali, pegamos o trecho leste da RN16, dando início a uma nova etapa do nosso percurso – com o mistério da vibração ainda pairando como uma interrogação sobre nossa viagem.

A partir dali, o trajeto até nosso lar em Erechim – Rio Grande do Sul seguiria o mesmo caminho que havíamos percorrido na ida, algo que normalmente tentamos evitar, já que nossa filosofia de viagem sempre privilegia rotas diferentes na ida e na volta para maximizar novas experiências.

Mas, como todo viajante sabe, às vezes a logística e as opções disponíveis simplesmente não permitem esse privilégio. Aceitamos então que esta parte do retorno seria um reencontro com paisagens já conhecidas, mas que certamente se revelariam sob uma nova perspectiva, com outra luz, outro clima e novos olhos.

Vencemos com facilidade as longas retas da Ruta Nacional 16, cortando a paisagem chaqueña com a eficiência de quem já conhecia o caminho.

Resistencia, a vibrante capital do Chaco, surgiu e desapareceu em nosso retrovisor, enquanto nos aproximávamos do marco geográfico mais emblemático do trecho: a imponente Puente General Manuel Belgrano.


Ao cruzar essa ponte que liga as províncias do Chaco e Corrientes, separadas pelas águas do majestoso Rio Paraná, sentimos a transição quase palpável ao pisarmos novamente em território correntino.

Depois de contornar o movimentado centro de Corrientes, capital da província de mesmo nome, nos preparamos para enfrentar mais um longo trecho de retas até Ituzaingó.

Antes de mergulhar nesse percurso, fizemos uma parada estratégica em um posto YPF na saída da capital provincial para abastecer a Formosa até a boca.

Enquanto o frentista terminava de abastecer a Formosa, seu rosto repentinamente mudou de expressão. Com um gesto alarmante, apontou para o pneu traseiro da moto e soltou um grito em espanhol que não consegui decifrar. Ao seguir sua indicação, testemunhei em tempo real o pneu esvaziando completamente em questão de segundos, mas o verdadeiro choque veio ao descobrir a causa: um corte profundo de mais de 20 centímetros de comprimento na própria roda traseira!

Agora tudo fazia sentido: a vibração estranha que sentíamos em baixa velocidade, o ruído ritmado… A manta de vedação da roda raiada conseguira manter a pressão até aquele momento crítico, mascarando o problema. Nas nossas paradas rápidas para verificar, a rachadura sempre ficara escondida na parte superior, encoberta pelos alforges.
Foi então que um argentino, que abastecia seu carro em uma bomba próxima, se aproximou. Em uma dessas coincidências que só acontecem na estrada, ele era mecânico especializado em Harley-Davidson em uma cidade vizinha. Ao examinar o dano, seu diagnóstico foi desanimador: praticamente impossível fazer um reparo seguro em Corrientes ou Resistência, e ainda mais difícil encontrar uma roda de reposição na região. “Quizás en Córdoba”, ele sugeriu, mas os 900 quilômetros de distância tornavam a opção inviável, especialmente com nosso prazo apertado para retornar ao Brasil.

Sem alternativas, às 17h acionamos nosso seguro. O corretor foi ágil no atendimento, mas a resposta final só veio às 21h: o guincho e o táxi contratado pela seguradora só chegariam na manhã seguinte, às 8h. Com a ajuda dos atendentes do posto, que gentilmente permitiram que deixássemos a Formosa em uma área segura perto da conveniência, pegamos um táxi rumo a um hotel próximo, onde teríamos a noite para replanejar nossa jornada com esse imprevisto de 24h.

Quarta-feira amanheceu com nosso retorno ao posto às 8h, onde a Formosa nos esperava como um cavalo ferido aguardando seu resgate. O táxi contratado pelo seguro chegou primeiro, já passando das 9h, seguido pelo guincho que levaria nossa companheira de duas rodas de volta ao Brasil. A cena tinha algo de cerimonial, como uma escolta fúnebre para uma máquina que nos servira tão bem.
O trajeto até Paso de los Libres foi um mistério logístico que nunca compreendemos. Por que não cruzar por Santo Tomé, encurtando o caminho em 150km? A explicação nunca veio, e a frase “Até que o guincho nos separe” virou o mantra involuntário daquele trecho da viagem, misturando humor ácido com resignação pura.

Em Paso de los Libres, o ritual burocrático nos obrigou a uma despedida abrupta do taxista, descarregar a moto do guincho argentino e enfrentar o desafio físico de empurrar os 350kg da Formosa pela Ponte Internacional Getúlio Vargas – Agustín Pedro Justo. O pneu traseiro completamente murcho e a leve subida da ponte transformaram o que deveria ser uma formalidade numa prova de resistência digna de competição.

Do outro lado da fronteira, em Uruguaiana, começou um novo ciclo de esperas inexplicáveis. Ficamos quase duas horas parados esperando um guincho que, pasmem, era da própria cidade. Quando finalmente chegou, descobrimos que não tinha a estrutura adequada, o carregamento da Formosa foi um suplício, com várias partes da moto raspando no equipamento. Mais duas horas na sede da empresa até conseguirem outro guincho e um taxista disposto a nos levar até Erechim.

Partimos de Uruguaiana às 17h30 com um cenário digno de filme apocalíptico: um temporal violento iluminando a estrada com raios, a pista cheia de buracos e a tensão pairando dentro do táxi. Cada curva parecia uma roleta russa. Quando finalmente chegamos a Erechim às 2h da quinta-feira, o alívio veio misturado com exaustão.
A Formosa foi direto para a UTI oficina, claro. Enquanto os mecânicos faziam o diagnóstico, eu pensava em como esses imprevistos são parte inseparável das viagens de moto. Inclusive pesquisei por casos semelhantes, de rodas rachadas, e não encontrei nada parecido, sinistro.

E assim encerramos mais uma Moto Expedição, não exatamente como planejado, mas com aquela satisfação que só quem vive a estrada conhece. A Formosa pode ter acabado sua jornada nesta aventura no guincho (e eu, consequentemente, fiz a barba e bigode), mas isso é só detalhe.
O que importa mesmo são os cenários deslumbrantes que rodamos, as pessoas que conhecemos, as memórias que colecionamos e o alívio gostoso de saber que mesmo com a roda rachando no meio do caminho, chegamos pra contar a história.
Que venham mais estradas, mais histórias e menos guinchos!

Acima o mapa com o percursso percorrido entre Santiago del Estero – Santiago del Estero – Argentina e Corrientes – Corrientes – Argentina.


Oba! Já são 10 comentários nesta postagem!
Opa,
agradeço demais a resposta de nível “jornalístico”. Acredito que, além da minha pessoa, vai ajudar muita gente, pois o conhecimento de alguns detalhes de trajetos como esses fazem grande diferença numa viagem. Ganha-se tempo e ganha-se em estado de espírito, na medida em que sabemos o que esperar, mesmo que essa possa ser uma segurança até certo ponto ilusória. E surpreendentemente é um tipo de informação escassa na internet.
Abraços e sorte !
Valeu Miguel, o intuito do blog é esse mesmo, repassar o máximo de informações possíveis para que possam ser úteis a todos que planejam visitar os lugares por onde o FredLee passou.
Boa viagem. Abraços.
Olá amigo,
que bom que tudo teve solução. Faz parte da viagem. Farei este trajeto em breve, saberia indicar paradas entre Corrientes e Santiago del Estero?
um abraço,
Miguel Durão
Verdade Miguel, o mais importante é que estamos bem.
O trajeto entre Corrientes e Santiago del Estero está em bom estado de conservação, é composto praticamente por retas e é comum rodar vários quilômetros sem ter nenhum posto de combustível ou lanchonete ao redor da rodovia.
Os locais onde paramos para abastecer a moto e se hidratar durante este trecho foram:
– Presidencia Roque Sáenz Peña (180km de Corrientes);
– Quimilí (245km de Presidencia Roque Sáenz Peña);
– Santiago del Estero (200km de Quimilí).
Pelo que me lembre, além destas cidades outros pontos que possuem postos de combustíveis às margens da rodovia são: Campo Largo, Las Breñas e Charata.
Durante este percurso não visitamos nenhum atrativo e o único pelo qual passamos (não visitamos por falta de tempo) foi a Reserva Natural Cultural Pigüem N´Onaxa – Campo del Cielo em Gancedo – Chaco. O local abriga restos de meteoritos que se espalharam por uma área de 150 quilômetros, inclusive o segundo maior do planeta, com 37 toneladas. Para acessar o parque é necessário percorrer cerca de 12km por uma estrada de terra.
Mais informações sobre a reserva natural:
https://turismo.chaco.gob.ar/destino/1
Qualquer outra dúvida que possamos auxiliar, não hesite em questionar.
Abraços e bons ventos!
A viagem foi muito legal, como sempre as fotos foram maravilhosas, apesar do problema da roda não aconteceu nada de mais grave chegaram bem e isso que vale. Obrigado pela carona assim conhecemos um pouco mais sobre a região…. abraços e até a próxima…
Exatamente, o que importa é que estamos bem e a moto em breve estará pronta para pegar mais estradas. Valeu por nos acompanhar durante a Expedição 2019: Salta – Jujuy – Tucumán. Abraços.
Bem-vindos de volta! Parabéns pela proveitosa road trip. Uma pena esse imprevisto no final, mas faz parte e felizmente não foi nada mais grave. Abraço!
Valeu Fábio, obrigado. Abraços…
Gratidão! Pela viagem maravilhosa e pela proteção divina em trazê-los bem de volta ao lar. Sim… que venham novas viagens…novas aventuras e amizades! Boralá pensar e programar a próxima!✌✌✌
Isso mesmo! ;)
Estamos ansiosos para ler tudo aquilo que tu tem para dizer! É chegado o momento de abrir este coração e compartilhar tua opinião, crítica (exceto algo desfavorável à imagem da Formosa), elogio, filosofar a respeito da vida ou apenas sinalizar que chegou até aqui ;)
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